Lança Ensaguentada - Tomu Uchida (1955)

Continuando minha análise da lista de filmes presentes na coleção "Cinema Samurai" da Versatil irei comentar agora o filme "Lança Ensaguentada" do diretor Tomu Uchida, feito em 1955.

Sinopse

No final do século XVIII, um jovem samurai beberrão viaja com seus dois servos pela estrada de Tokaido, rumo a Edo (atual Tóquio). Ao longo do caminho, são acompanhados por todo tipo de pessoas que fazem o mesmo trajeto: andarilhos, vendedores, artistas, camponeses, um menino órfão e também, segundo as autoridades, um ladrão de identidade desconhecida. Um autêntico ‘road-movie chambara’, este foi o primeiro filme de Tomu Uchida depois de um hiato de 15 anos e sua primeira colaboração com o grande astro do cinema japonês daquele momento, Chiezo Kataoka – que atua aqui ao lado de seus dois filhos. Uchida, que voltara ao Japão em 1953 depois de oito anos na China, fez desta história – já levada às telas em 1927 – uma reflexão sobre sua própria trajetória, tratando de um Japão que mudou em sua ausência e de episódios que remetem à sua própria experiência na guerra. Também conhecido no Brasil como O monte Fuji e a lança ensanguentada ou A lança sangrenta.

Comentários

Tomu Uchida é considerado um dos grandes mestres do cinema japonês embora seja pouco conhecido no Ocidente. Vou me abster de falar da sua trajetória, detalhes da biografia e detalhes do seu estilo cinematográfico. Recomendo você ler este post da Cinemateca Brasileira.

Para analisar "Lança Ensaguentada" devemos destacar uma de suas qualidades como cineasta, a versatilidade, O diretor é mestre em trabalhar com diversos gêneros cinematográficos distintos. Neste filme podemos dizer que mistura chambara (filme de samurai), road-movie e comédia ao mesmo tempo. Como sempre, dialogando com as tradições culturais do seu país e as demandas do seu tempo.
Este filme, como bem disse Carlos Merten da Folha, bebe de fontes diversas que vai de influências típicas orientais, no conteúdo e forma, quanto ocidentais, no tom melodramático.

Apesar de ser considerado um filme de Samurai quase não há cenas de lutas. Tampouco os samurais protagonizam a história, são quase figuras secundárias. O elemento principal do filme paira em torno do lanceiro.

Os lanceiros no Japão ganharam certo destaque depois a Guerra de Ônin (entre 1467 e 1477) durante o período Muromachi. A Guerra de Ônin começou com a disputa de dois Daimyos (senhor de terras), Yamana Sōzen e Hosokawa Katsumoto e acabou envolvendo todo o Japão numa guerra civil.
Os lanceiros foram de grande utilidade nessa batalha devido a sua capacidade de atingir um oponente a uma distância maior do que as armas mais comuns. Suas lanças podiam chegar a 9 metros. Pode-se considerar, inclusive, que um espadachim era indefeso quando enfrentava um lanceiro, embora os dois não gozavam do mesmo prestígio social. Os clãs de Samurai, ao perceberem isso, começaram a se encarregar de treinar unidades de lanceiros, e estes se tornavam fieis a seus mestres.

O interessante da história do filme é um certo mistério. Há apenas um lanceiro que serve a um samurai que aparentemente não tem um senhor e está caminhando sozinho. O filme não explica qual é a sua história pregressa e nem o que exatamente ele vai fazer em Edo (atual Tokyo), tornando o filme apenas uma divertida crônica do trajeto, sem maiores explicações.

Outro elemento interessante no filme é que o samurai em questão tratava seu lanceiro de igual para igual, o que poderia ser visto como motivo de vergonha perante os outros samurais que faziam questão de sublinhar seu prestígio social perante os seus criados.
A fidelidade do lanceiro ao seu mestre samurai, no entanto, é mais valorizada pois não vinha de uma questão de tradição hierárquica mas por algo mais forte, a amizade. Uma fidelidade baseada na amizade capaz de fazer um lanceiro enfrentar um grupo inteiro de samurais e sair vitorioso. Um heroísmo e uma força que não nasceu dos costumes e sim da real admiração.

O filme diverte e ensina valores interessantes, nota 10.