domingo, 10 de agosto de 2014

Kihachi Okamoto, cineasta que revolucionou o cinema de gênero japonês

OTÁVIO MOULIN
Colaboração para o UOL

Ainda que bem menos conhecido pelo público ocidental do que diretores japoneses como Akira Kurosawa e Kinji Fukasaku, Kihachi Okamoto foi fundamental para a cinematografia do país durante o período pós-guerra. Com 14 de seus 39 filmes resgatados pela Mostra de São Paulo deste ano, o público tem chance de descobrir a sensibilidade e o dinamismo de um diretor que fazia filmes para o grande público, mas que nunca deixou de discutir questões relevantes na sociedade nipônica.

Nascido em 1924, Kihachi Okamoto foi recrutado pelo governo japonês aos 19 anos para se juntar às tropas do exército no conflito do pacífico, durante a 2ª Guerra Mundial. Como ele, outros cineastas de renome como Seijun Suzuki e Kenji Misumi acabaram levando para o trabalho no cinema suas experiências na guerra, alterando a forma como a violência passou a ser vista nas telas, principalmente em gêneros tradicionais do país, com os filmes de samurai.

Em 1947, o jovem aprendiz de cineasta começou a trabalhar para a Toho, como diretor-assistente de Senkichi Taniguchi, que filmava "Ginrei No Hate" (ou "Snow Trail" no título internacional) a partir de um roteiro escrito por Akira Kurosawa. O filme também marcou a estréia à frente das lentes de ninguém menos do astro Toshiro Mifune, que anos mais tarde selou uma longa parceria com Okamoto.

Ali mesmo no histórico estúdio, o cineasta conheceu outras figuras de sucesso que também influenciaram sua obra, como Masahiro Makino - um dos pioneiros nos Chambara, filmes de época focados em duelos de espada - e Ishiro Honda, este o pai dos filmes Kaiju - estrelados por monstros gigantes como "Godzilla". Isto foi fundamental para fazer com ele e outros contemporâneos abraçassem o cinema popular imposto pela era dos estúdios da época como meio para expressar sua nova estética influenciadas pelos horrores e dramas da guerra.

Seu início como diretor começou com uma experimentação em melodramas, comédias e até mesmo obras influenciadas por westerns, como em "Tudo sobre o Casamento" (1958) e "Desperado - Posto Avançado" (1959). Tais trabalhos acabaram tocando em temas e utilizando elementos que acabaram transpostos para gêneros em que encontrou maior êxito comercial, com os filmes de gângster e os de samurai.

Seus primeiros sucessos foram na série de ação "Ankokukai", com seu segundo capítulo, "O Último Tiroteio", como um destaque na Mostra. Com tais filmes, Okamoto iniciou sua parceria com Mifune e coroou o então jovem Koji Tsuruta como um dos mais célebres vilões do cinema japonês e ícone de filmes de mafiosos, posição que manteve por todo o resto de sua carreira, mesmo depois de sua ida para a rival Toei.

Ao lado maior astro do cinema do Japão, o diretor foi capaz de firmar suas marcas registradas, como o forte senso de humor, a constante presença de questionamentos políticos e um estilo visual com elementos ocidentais, em parte fruto de sua admiração por John Ford.
Em "O Guerreiro Vermelho" (1969), também exibido na Mostra, estas marcas são bem evidentes. Nele, Toshiro Mifune encarna, de maneira extremamente sensível, um samurai pouco brilhante que cria um pequeno jogo de intrigas em um pequeno vilarejo, sem saber das reais implicações diante da queda do shogunato de Tokugawa e a Restauração Meiji, que colocou a monarquia de volta ao poder.

O filme marcou o auge do processo de desconstrução do mito do samurai, uma figura nobre da história japonesa, retratada não só ali, mas em outros de seus filmes como "Samurai Assassino" (1965) e "Os Sete Rebeldes" (1968). Em vez de explorar as ações altruístas de tais heróis como no passado, Okamoto e colegas como Kurosawa, em "Yojimbo" (1962), preferiram uma abordagem mais humana, explorando o impacto na sociedade, principalmente em sua parcela mais humilde representada pelos camponeses, da adoração por homens que vivem da guerra e da violência.

Tal aproximação levou até mesmo um encontro inusitado dirigido por Okamoto, naquele que talvez seja um de seus filmes mais conhecidos no ocidente. "Encontro de Gigantes" (1970) foi o vigésimo filme da famosa série do espadachim cego Zatoichi, e colocou o personagem imortalizado por Shintaro Katsu contra o incansável Mifune interpretando um guarda-costas, não por acaso, estranhamente familiar ao do filme de Kurosawa.

Com o fim da era dos estúdios, Okamoto vinha partido para projetos independentes, como a sátira "Bala Humana" (1968), sobre um piloto kamikaze, o intenso "A Batalha de Okinawa" (1971), que ecoa certos sentimentos da filmografia de Samuel Fuller, e até mesmo uma refilmagem, em 1977, de "A Saga do Judô", filme de estréia de Kurosawa baseado no romance de Tsuneo Tomita.

A partir da década de 80, os projetos de Kihachi Okamoto se tornaram mais esparsos, ainda que ele nunca tenha parado de fazer filmes. Seu último foi "Sukedachiya Sukeroku" (ou "Vengeance for Sale"), uma espécie de volta às origens na forma de um chambara com toques cômicos estrelado por Hiroyuki Sanada. Foi um trabalho feio com muita dificuldade, em 2001, com o diretor sofrendo de graves problemas respiratórios e conseqüências de um derrame ocorrido alguns anos antes. Mesmo doente, Okamoto planejava um novo projeto na seqüência, mas foi vitimado por um câncer no esôfago em 2005. Com sua morte, fechou-se mais uma janela para a época em que o cinema japonês testemunhou suas maiores mudanças estéticas e narrativas, a que será sempre lembrada como a que colocou seus maiores heróis frente a frente com o desafio de serem, simplesmente, humanos.

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